segunda-feira, 13 de setembro de 2010


O cervo se vendo na água

Um cervo que bebia numa fonte clara se viu no reflexo na água. Satisfeito com o que viu, ficou algum tempo contemplando e examinado o corpo e as feições, da cabeça aos pés. “Ah”, exclamou, “mas que par de galhos magnífico! Como estes chifres pairam com graça sobre a minha testa e dão um toque agradável ao meu rosto inteiro! Se outras partes do meu coro fossem só um pouco proporcionais em relação a eles, não me vivaria de costas a ninguém. Mas as pernas que tenho me envergonham. As pessoas podem dizer o quanto quiserem que são convenientes, que precisamos delas para ficarmos de pé, em várias ocasiões.No meu caso, porém, acho que são tão esguias e feias que seria melhor não tê-las.” Enquanto se entregava a esses pensamentos, assustou-se com a gritaria de um grupo de caçadores e de um bando de cães de caça que tinham sentindo seu cheiro e vinham em sua direção.Fugiu tomado de medo e , correndo agilmente na planície, deixou os cães e homens para trás, a uma grande distância.Depois disso, entrando num capão muito denso, teve o azar de os chifres se enroscarem num arbusto,onde ficaram presos, até que enfim os cães chegaram e o derrubaram no chão.Dizem que, ao descobrir o que significava ser o que era, na agonia da morte o cervo pronunciou estas palavras: “Que criatura infeliz sou! Tarde demais me convenço de que aquilo que me orgulhei causou minha ruína.Aquilo de que menos gostava era única coisa que teria me salvado.”

Esopo. Em “Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as idades” - Volume 3 .Selecionadas por Harold Bloom. Tradução de José Antonio Arantes.

Conto

"Gênero difícil a despeito de sua aparente facilidade" Machado de Assis.

"Será conto aquilo que o autor denominou conto" Mário de Andrade.